Na capital do Brasil não se fala em outra coisa. Os analistas políticos esquentam o ambiente com perfis polêmicos do indicado para ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal. Cabe ao presidente, segundo a Constituição republicana, indicar os onze ministros que compõem o Tribunal. Nos bastidores há uma forte disputa política e se o indicado tem ou não comprovado saber jurídico não é relevante. O postulante à vaga junta todos os títulos que possui para convencer os senadores de que ele deve ser consolidado no cargo. Cabe aos senadores avaliar os conhecimentos jurídicos do candidato, e eles mesmos não têm nível para isso. Alguns até têm, mas são dobrados pela pressão da presidência da República, pelas reportagens sensacionalistas dos jornais e por interesses particulares dos envolvidos. O fato é que o ministro do Supremo é um verdadeiro representante de um dos estados da federação brasileira e há até torcidas locais e regionais para que seja entronizado. Seu perfil não ajuda. É polêmico e se mete em discussões até mesmo sobre a administração do Distrito Federal.
Há uma ameaça de que o indicado pelo presidente seja expurgado do Tribunal. Ele ocupou cargo político, também por indicação do presidente. Comenta-se nos corredores do Congresso Nacional que o indicado ou é amigo pessoal do chefe do Executivo, ou sua indicação é uma forma de colocá-lo para fora do jogo político. O Brasil tem questões mais graves e urgentes para tratar do que acompanhar a posse de um ministro do Supremo Tribunal Federal. A oposição exige que as questões sociais tenham prioridade no plano de governo. Há forte resistência, especialmente no sul do país, com ameaça de rebeldia. O chefe do Poder Executivo não está à vontade na presidência. É acusado de ser ditador e impedir que a liberdade de crítica e de expressão sejam exercidas. O cenário não é favorável à estabilidade nacional. Corre-se o risco de um levante militar insuflado pela oposição, principalmente da bancada paulista no Congresso Nacional.
Há uma polêmica na Constituição que diz apenas “notório saber” ser suficiente para um ministro do Supremo, mas não necessariamente jurídico. Pode ser um engenheiro, arquiteto, astrônomo ou médico. O médico Barata Ribeiro assume o posto de ministro no Supremo e emite julgamentos em alguns processos. Isso mostra que primeiro o candidato assume, depois a escolha vai ser ou não referendada pelo Senado. O médico é rejeitado. Em represália, Floriano Peixoto, presidente do Brasil, faz novas indicações e tem algumas rejeitadas. Seu mandato é contestado, uma vez que apesar de ser vice de Deodoro da Fonseca, que renunciou ao mandato, a Constituição estabelece para esses casos eleição de um novo chefe do Executivo. Apoiado pelo Exército, Floriano Peixoto recusa-se a convocar nova eleição e implanta uma ditadura militar. O pretexto é a revolta da Marinha e a revolução federalista do Rio Grande do Sul. Urge corrigir o texto constitucional com a inclusão de “notório saber jurídico”. Barata Ribeiro volta ao mundo político, é eleito senador e convive harmoniosamente com os colegas que barraram sua tentativa de vestir uma toga, participar da Corte e ser chamado de excelência.
Heródoto Barbeiro é jornalista da Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo. Apresentou o Roda Viva da TV Cultura e o Jornal da CBN. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Acompanhe-o por seu canal no YouTube “Por dentro da Máquina”.