Como termina uma história de amor? Uma história de amor realmente termina? Na entrevista a seguir, a Produtora de Eventos Jéssica Simões, fala do marido num misto de passado-presente. Começa dizendo que ele gostava de cerveja, mas não tanto de festa e logo depois diz que ele é da turma dos cantinhos – como se ele ainda estivesse aqui. Fala de Marcos Aurélio nesse agora, nesse presente. Quem vive o luto, sabe que os dias não correm no tempo cronológico. Vão e voltam, rasgam em todas as esquinas.
A dor não para de doer com o fim, continua. E o coração não deixa o que foi para trás, segue. Nas linhas dela, a morte escapa. Marcos Aurélio está presente. Sem passado, sem morte, sem despedida, sem adeus, como todo amor deveria ser.
Num relato honesto, cortante e intenso, Jéssica fala sobre a morte do marido, enquanto espera o filho caçula, Benjamim. Ao relembrar o momento da despedida, mergulha na própria dor, que se estende à filha, Valentina, justamente um dos lembretes vivos da falta, mas também da vontade e da força para continuar. Uma entrevista crua, verdadeira e cheia de recomeços, como a vida, marcada pela morte, é.
Universo de Rose – Jéssica, como você conheceu seu marido?
Jéssica Simões - Conheci por meio de amigos em comum. Era final de ano e eles iam viajar, passar a virada na praia. Acredita que ele me olhou e disse para o avô dele: " vou ter 02 filhos com essa mulher, vou casar com ela!?"
UR - Lembra do que sentiu ao conhecê-lo?
JS - As tão temidas borboletas na barriga, sabe? De quebra já conheci os avós dele, pois eles moravam juntos, os alicerces dele.
UR - Quais eram os gostos comuns? E as maiores divergências?
JS - Não tínhamos nada em comum! Ele gostava de cerveja, era um dos maiores entendedores da bebida no Brasil. Eu sempre gostei de uma boa taça de vinho. Eu amo ensopado, ele já prefere frituras (ainda tenho dificuldades de usar a palavra ex), eu gostava de ficar até o final da festa, ele é da turma dos cantinhos e não socializava. Ele sempre calmo e de tom baixo, e eu puro auto astral. Será verdade que os opostos se atraem?
A maior divergência éram os avós dele, pois eu me vi cuidando deles. A avó dele usava fraldas, precisávamos dar banho nela. O avô era um italiano rabugento... convivi com eles durante 07 anos, entendendo que eles tinhan vindo antes de mim. O vô brigava com todo mundo, mas eu tinha um bem querer por ele. Nesses longos 7 anos nós nunca viajámos, pois ele não nos deixava sós. Então, coube a mim viver a vida dele.
UR - Vocês falavam sobre a morte?
JS - Nunca, repetimos a frase "até que a morte nos separe" : sorrindo no dia casamento.
UR - O que tem sido mais difícil nessa despedida?
JS - Na realidade o fato é cru, não teve despedida! Não teve velhice, não teve doença, não teve, foi um suspiro presente pra poucos. Para gente que ficou, uma violência. Ninguém veio me ligar para contar que ele morreu. Eu vi, a Valentina, nossa filha, viu e o Benjamin, o filho que eu estava gerando, sentiu...Todos nós presenciamos em corpo e alma. Quando o Benjamin descobrir o que é a palavra "pai", eu vou ter que explicar sobre a morte. O mais difícil sem dúvidas foi a Valentina, ela teve depressão com apenas 4 anos de idade, o herói dela já não estava mais aqui... Hoje lido diariamente com o fato do pai dela e meu marido ter saído de nossas vidas. Apesar de tanto, apesar de tudo, ela tem sido muito forte e eu também, tentando os nossos "possíveis". Têm dias que eu cuido deles e têm dias que eles cuidam de mim...
UR - O que nesse processo te dá esperança?
JS - Não tenho esperanças. Do mesmo modo que sofro muito por ele não ter conhecido o Ben, me alegro ao saber que o que ele viveu com a Nina foi lindo e intenso! O apego faz a gente fixar o olhar na falta. Não acredito em Deus... acho que as coisas são mais fluídas: causas e consequências. Convivo com 02 crianças que não me deixam esquecer a falta.
UR - Quais ferramentas têm te ajudado?
JS - Não tive tempo de viver o luto. Tive uma porrada de coisas pra tirar das costas e confesso que ainda tenho. Mês que vem completa três anos que o cara mais cervejeiro e legal deixou o mundo, assim como também três anos que o Benjamin nasceu - morte e nascimento simultaneamente, sendo as duas únicas certezas que eu acredito na vida. Ele era desses caras feito pra eternidade. Vivia pra distribuir e demonstrar seu amor em doses contínuas e generosas! Valentina me disse diversas vezes que queria que eu tivesse morrido no lugar dele... Mas eu entendo que ela ainda não tem uma moral construída, por isso não me magoa, afinal, ele era o herói e eu a militar.
UR - Como você se sente por ter ficado viúva tão nova?
JS - Minha vida literalmente começou aos 30 anos. Afinal, eu fiquei com a parte "boa". Viva e com as crianças, com um aviso de que a morte está aí, mas que eu também continuo. Sou grata por ter cruzado nossos caminhos, por ter amado e ter sido amada! No meio de tanta gente, eu o encontrei.
UR - Você se sente aberta, preparada para viver um outro relacionamento?
JS - Sim, sei que vou amar novamente, de uma forma diferente, até porque os amores são únicos. Encontrei uma pessoa que faz muito sentido pra minha vida, dá vazão pra ela, faz dia meus dias os melhores...
UR - Você sente apoio ou julgamento das pessoas ao seu redor quando o assunto é viver um outro relacionamento?
JS - O tempo todo sou julgada. Acredito que pelo fato de ser mulher. Elas não querem saber que enquanto eu sentia a falta dele, eu me apaixonei por outra pessoa. Estou me permitindo, afinal tem que fazer sentido para mim. O amor dele nunca me privou de nada, só me fez maior!
UR - Como você explicou a perda do pai para os seus filhos?
JS - Eu simplifiquei tudo. Como não acredito em Deus. Eu levei a Valentina no velório para encerrar esse ciclo. Quando alguém que amamos morre, vira infinito, né? E ponto final. Disse pra ela guardar os melhores momentos para quando a saudade bater. Hoje, ela conta as coisas que viveu com o pai etem muito amor... ela também não aceita nada menos que carinho, amor e respeito, até porque viveu isso com ele gota por gota.
UR - Como você está lidando com o seu luto e o luto das crianças?
JS - Tenho dias bons e dias ruins... vivo os dois, são meus. Valentina, muita terapia, amor e paciência. Benjamin, não tem essa dor porque o que foi apresentado pra ele é que família tradicional não existe, o que você mais vê é mãe e pai solo e tá tudo bem!
UR - Qual mensagem você deixaria para outras viúvas?
JS - Temos dores em comum. Por mais que você não queira, o ar continua entrar e sair. Espero e peço que você se permita e que saiba que morrer faz parte do viver, sabe? Quando entendemos isso, a vida fica mais "fácil". Em um dia de muita dor eu entendi que a morte tira tudo do lugar, as pessoas morrem, mas elas não precisam deixar de existir. Convivo com duas crianças que não me deixam esquecer a falta... eles são parecidíssimos com o pai e a imagem dele ficará presente na minha rotina para sempre. O Benjamin não o conheceu, por pouco.