Segunda, 27 Setembro 2021 12:30

LUTO: Bate Papo com Rose Cianci

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Eu sou Natália Sousa, jornalista e escritora, e testemunha ocular dessa história. Eles eram casados há 32 anos. Se conheceram em um grupo de amigos e, depois disso, nunca mais se separaram. Conheci Rosângela na faculdade (popularmente conhecida como Rose ou Rô). E por meio dela, o Carlos. Juntos, eram tipo aquela praça de domingo: leve, engraçada, harmoniosa, tomada por diferenças complementares. Rose e Carlos, para mim, eram assim.

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Lembro das vezes em que estive na casa dos dois. Tinha amor, mas tinha mais do que isso: tinha uma cumplicidade que dividia a cozinha, o cardápio, as compras no supermercado, os programas na tevê. Lembro da Rose amando o Carlos quando escolhia alguns doces para surpreendê-lo no fim do dia.

Lembro do Carlos amando a Rose quando se dispunha a ser fotógrafo dos eventos em que ela fazia. Era uma fusão harmoniosa de mundos. Eram dois mundos. Eram dois. Restou um só. A morte tira muito de nós. E nos deixa com uma sensação de solidão funda, de dor irreparável, de vazio impreenchível.

Segurar a ausência de um mundo inteiro sozinha é uma dor que só quem vive a mortede alguém que ama sabe. Mas há outras complicações nesse caminho: falamos pouco desse assunto. E somamos à solidão da morte, mais uma dor: a de não nos sentirmos compreendidos e acompanhados, a de sentirmos na pele a sensação de carregar um assunto que é evitado – a todo custo.

Essa coluna nasce para abrir esse caminho. Para ser um espaço de troca e de esperança para viúvas que estão passando por esse momento tão duro – e tão desafiador. Nesta editoria, você poderá acompanhar entrevistas e reflexões reais sobre a viuvez. E tatear, junto com a gente, o mesmo desejo que nos empreende nessa busca: a de passar por esse vale escuro com a sensação de que não estamos sózinhas.

Abaixo, você acompanha a entrevista que eu fiz com Rose.

Natália Sousa – Como você conheceu o Carlos?

Rosângela Cianci – Em um encontro entre amigos, em Outubro de 1987.

NS – Lembra do que sentiu ao conhecê-lo?

RC – Eu o achei muito simpático. Depois do evento, fomos todos comer uma pizza. Conversamos muito. Na quinta da semana seguinte, logo cedo, recebi uma ligação. Era ele. Perguntou se eu tinha compromisso na sexta e eu disse que iria consultar minha agenda (depois de casados ele me confessou que ficou "louco" com a minha resposta, risos). Claro que eu não tinha nada naquele dia, era só um charminho, e ele ficou de me pegar a noite. Me levou a um restaurante chiquérrimo, tocou piano enquanto estávamos lá, super-romântico. Ficou aquele ar de: "nossa, que sorte dessa moça". Eu gostei e o convidei para um evento de música em outro dia. Nessa noite, ele me disse: "anjo, você quer namorar comigo?". E eu disse: "siiiim"!!! Em fevereiro, me pediu em casamento.

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NS – Quais eram os gostos comuns e as maiores divergências?

RC – Éramos diferentes, ou melhor: opostos. Ele era arquiteto sonhador, meio desorganizado, futurista e eu uma secretária executiva toda certinha com horários e compromissos - para lá de perfeccionista, na época. Demorou anos para acertarmos alguns gostos em comum. Mas conseguimos. Com o tempo, você vai aprendendo, pelo bem do outro, a ser mais flexível. Desfrutávamos também da mesma fé, gostávamos de viajar, cozinhar, fazer amizades.

NS – Vocês falavam sobre a morte?

RC – Às vezes, quando falecia alguém, principalmente se era da família, falávamos. Mas eram comentários vagos. Ele perdeu o pai primeiro, dali uns 05 anos, foi o meu. Depois começamos a sofrer bem mais com a partida de nosso príncipe, que era sobrinho como filho, Júnior, aos 23 anos de forma cruel. Eu lia livros bíblicos sobre o tema, ele evitava um pouco, dizia que sabia para onde iria, mas queria ficar o máximo possível aqui na Terra... até que em 11 de agosto de 2020, em retorno do check-up anual, sua barriga estava muito inchada, e após vários exames, em 07 semanas, foi constatado um tumor no fígado e antes mesmo de iniciar o tratamento, ele teve uma parada cardiorespiratória, e nos deixou.

NS – O que tem sido mais difícil nessa despedida?

RC – Eu senti uma desmotivação total, queria ter partido junto com ele, não queria ficar mais neste mundo sem o meu melhor amigo, a minha referência de família". Apesar de cultivar relacionamentos com familiares, amigos e colegas, ele era meu parceiro de todas as horas, na alegria ou na tristeza, na saúde e na doença, como sempre salientávamos. Nos últimos 05 anos, ele passou a me ajudar em alguns trabalhos jornalísticos, ou seja, perdi um colega de trabalho também. Sinto falta das coisas simples que fazíamos juntos. Ainda me pego achando que é mentira. Vou seguindo na dor, sem cultuá-la, tentando "sepultar" de forma saudável aquela relação que me fora tão cara, lapidada em 33 anos. (01 de namoro e 32 de casados).

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NS – O que nesse processo te dá esperança?

RC – Sou cristã, creio na Bíblia que nos ensina sobre a vida após morte. Então, aquela história do "Até breve!" como se diz por aí, se torna uma arma muito forte e poderosa nesse momento, me anima e me fortalece com a perspectiva do reencontro.

NS – Quais ferramentas têm te ajudado? (terapia, conversar...).

RC – Viver o luto é terrível, confuso, gera uma desordem tão grande na sua vida que só quem já passou por grandes perdas é capaz de entender a profundidade dessa transição. Mas, leio histórias bíblicas práticas e funcionais de manhã e fiz uma listinha bem comprida com os afazeres simples do dia a dia - tento dar um passo de cada vez. Aos poucos, estou retomando meus trabalhos em Home Office. Também faço terapia e isso me ajuda muito, pois me permite chorar a perda, mas ao mesmo tempo me abre portas para novas possibilidades. Os amigos e familiares também ajudam de foma incrível ao oferecer o ombro e ouvidos. Amo receber vídeos curtos, mensagens e músicas que, por mais que sejam sobre esse tema tão doído, me dão alento. Interessante, que desenvolvi o hábito de ouvir tudo durante o banho – não sei explicar, mas funciona como um bálsamo. Ah, e claro, assistir filmes e/ou séries de comportamento (risos) com minha mãe e irmã que são ótimas companhias.

NS – Qual mensagem você deixaria para outras viúvas?

RC – Bom, em 29 de junho faz nove meses que o Carlos, oficialmente - maridon, foi transferido para a eternidade. A dor ainda está meio fresca, mas o lamento, a tristeza forte e a saudade avassaladora estão perdendo a força. Prosseguir é preciso e vou falar baseada em minha terapia: estou na minha busca diária em melhorar e sair dessa situação dolorosa bem e de preferência o mais rápido possível (o que é difícil, leva um certo tempo, como diz a minha terapeuta: "tudo a seu tempo, Rose, você precisa elaborar essa dor para se esvaziar totalmente dela e viver a cura, não adianta fugir..."). Mas, um dos segredos é tentar viver um dia de cada vez...

Natália Oliveira

Natália Oliveira é jornalista, editora de conteúdo do Bate Papo de Viúvas.

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