Ninguém sabe quem está com a razão, mas o país está polarizado. A oposição não esconde o seu perfil conservador e junta argumentos de toda ordem contra o governo. As acusações são de ligações com o esquerdismo e suas teses contra o capitalismo. O mote da direita é a defesa da liberdade, da democracia e da propriedade privada. Esta é a que sofre os maiores ataques, sendo classificada por alguns de um verdadeiro roubo. Os proprietários rurais são acusados de grilarem as terras, constituírem grandes latifúndios, muitas vezes improdutivos. Só ter a posse da terra já garante fortuna e reconhecimento social. O governo defende uma reforma agrária que tem como objetivo, entre outros, desacelerar a rápida migração do campo para as cidades. Estas, como nunca na história do Brasil, cresceram rápido. Entre elas, a capital do país.
Movimentos sindicais urbanos e rurais se engajam na organização de um grande comício para pressionar o governo a avançar no que ele chama de reforma de base. Há uma forte oposição de direita no Congresso Nacional, e os líderes sindicais acham que apenas uma grande manifestação popular pode fazer com que as reformas avancem. Há algum tempo não se tem uma manifestação dessa natureza no Brasil. Há uma incerteza pelos organizadores se os trabalhadores vão se sensibilizar com o chamamento e comparecer em massa ao comício. Estrategicamente ele está programado para uma grande praça, a capital, e nas proximidades da estação de transporte de massa. Há um inconveniente: a proximidade de prédios públicos, entre eles de um ministério militar. O debate na imprensa, cada vez mais radicalizado, incentiva os polos antagônicos a se organizarem contra e a favor da manifestação.
A quantidade de gente no comício é tema de um debate tanto na mídia quanto nos partidos políticos e sindicatos. Estes se comprometeram a juntar cem mil trabalhadores. Os partidos que apoiam o líder divulgam que 200 mil ou 300 mil pessoas estavam presentes na praça. A cidade parou no final da tarde e a concentração tomou conta de toda a praça na frente da estação Dom Pedro II. O presidente João Goulart faz assinatura de dois decretos, que, segundo ele, com poderes estabelecidos na Constituição de 1946 ainda em vigor. Desapropria as refinarias privadas, acusadas de testa de ferro das “sete irmãs” do petróleo, e que ainda não estavam nas mãos da Petrobras. O outro é a desapropriação das terras consideradas subaproveitadas para fim de reforma agrária e os proprietários seriam indenizados com títulos da dívida agrária. A organização do comício teve o apoio da esquerda e do ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. A repercussão foi grande entre os proprietários de terras, industriais, principalmente de São Paulo e das Forças Armadas, uma vez que não concordam com o direito a voto aos cabos, soldados e sargentos. Goulart fecha o dia 13 de março 1964 com aumento de sua popularidade na capital da República. Dezoito dias depois, é derrubado por um golpe de estado civil-militar.
*Heródoto Barbeiro é jornalista da Nova Brasil (89.7), além de autor de vários livros de sucesso, tanto destinados ao ensino de História, como para as áreas de jornalismo, mídia training e budismo. Apresentou o Roda Viva da TV Cultura e o Jornal da CBN. Mestre em História pela USP e inscrito na OAB. Acompanhe-o por seu canal no YouTube “Por dentro da Máquina”.