Referência para uma geração de jornalistas, não é mais pelo seu trabalho à frente das câmeras que ela desperta tanto interesse. Ela virou notícia e não mais pelo trato único que deu à própria notícia, mas pela coragem que teve de renunciar à ela e se tornar uma empresária.
Ana Paula Padrão tem mais de duas décadas de atuação na televisão - singelos 26 anos nas maiores emissoras do País: trabalhou 18 anos na Rede Globo. Em seguida foi para o SBT, para comandar o telejornal da emissora de Silvio Santos que em 2006 passou a produzir e apresentar um programa de reportagens especiais; em 2009, estava dividindo a bancada do Jornal da Record com Celso Freitas.
Longe do jornalismo diário desde março, quando encerrou seu contrato com a Record, emissora em que atuava como âncora de um telejornal, Ana Paula Padrão se dedica a exercer os papéis que ela própria inventou para si: empresária, mulher, esposa, amiga – e feliz. “Foi um desejo de mudar de vida. Comecei a trabalhar com 15 anos e em jornalismo com 19.
Toda a minha vida foi pautada pelo trabalho até o momento em que eu pensei: "Nossa, eu tenho 30 e poucos anos, meu companheiro de vida vai ser o trabalho? Comecei a me questionar sobre isso, muito também em função das mulheres me procurando e me perguntando como eu equilibrava a balança. Que balança? Eu nem sei de que balança essa mulherada estava falando!”, explica.
“Minha vida era totalmente desbalanceada, era totalmente trabalho. Trabalhava no mínimo 12 horas por dia. E todos os finais de semana. Minha diversão era trabalhar. Quando estava de folga, lia todos os jornais, fazia pesquisa de matérias, não tinha lazer, nunca tive. Até àquele momento da minha vida, tirei muito pouco tempo de férias. Meus amigos eram do trabalho, não tinha outras relações. Era uma vida muito pobre, né?”, me pergunta.
Entrevistá-la era um sonho antigo, desde quando a conheci em um evento na FIESP. E esse dia chegou. Com um figurino moderno e despojado – mais do que os convencionais terninhos que usava para apresentar jornais na televisão Ana Paula Padrão me recebeu em sua empresa Tempo de Mulher. O que mais me encantou (e valeu como aprendizado), durante minha permanência por lá, foi sua espontaneidade, simpatia e simplicidade, apesar da grande bagagem. E sem falar dos momentos dos clicks que foram muito divertidos pois ela adora fazer poses, e eu, clicar.
Abaixo você confere esse bate papo.
Universo de Rose: Ana, sua trajetória profissional é bem intensa e aparentemente bem sucedida. Qual o segredo?
Ana Paula Padrão: Tudo em minha vida é muito calculado e pensado. Sempre ouvi. "Você é louca!". Mas também ouvi: "Nossa, como você é corajosa". Acho que as coisas se equivalem. Prefiro dizer audaciosa e... sei lá... e todas as vezes que eu larguei a tevê. Para mim, sair da Globo foi uma grande decisão que tomei na vida. Mas acho que em termos de impacto para o mercado, minha vida mudou mesmo na saída da Record. Quando saí da Globo, foi trocar uma empresa por outra empresa. Agora não. Foi trocar a minha rotina diária dos últimos 27 anos por outra vida, a de empresária
UR: Você enfrentou várias mudanças, está sempre em movimento. Como você sabe que chegou a hora de mudar a rota?
AAP: Eu era uma workaholic até ter um estalo no começo dos anos 2000. Tinha 35 anos, olhei para trás e me perguntei: “Carreira bonita que fiz. E agora? Vou morrer sentada nessa bancada? Respeitada, cheia de credibilidade, mas faço o que com isso?”. Não tive vida pessoal por muito tempo. Gosto de trabalhar e sempre vou trabalhar muito, mas isso agora tem que ser do meu jeito. Me casei com quase 37 anos, administrei melhor minha vida a dois e eu queria isso. Estava focada em ser uma pessoa feliz com alguém. É tão difícil encontrar um parceiro de vida. Isso é tão mais valioso do que qualquer conquista profissional que se possa fazer. Quero ter tempo para ele. Isso é mais importante que fama. E, fiz muitas pesquisas...
UR: O que a inspira, dentro e fora do jornalismo?
APP: Sou verdadeira nos meus objetivos. Porque, no fim das contas, sempre quis ser verdadeira comigo. Eu não consigo trabalhar infeliz. Ponto final. Se eu não fizer o que estou com vontade, morro sufocada – tanto no jornalismo quanto na vida de empresária, que estou amando (risos).
UR: Qual o grande diferencial de um jornalista e/ou agora de uma empresária?
APP: Paixão, autenticidade. Toda empresa tem acionistas que possuem interesses. O que você tem que fazer é estabelecer seus próprios limites, e os meus sempre foram muito claros. Por exemplo, uma coisa que admiro muito na Record é que ela foi a primeira emissora a colocar no ar o Brasil de verdade. Antes dizíamos que não poderíamos tocar em certos assuntos porque eram politicamente incorretos ou muito mundo cão, como estupro e violência. Mas esses temas fazem parte do país. As pessoas se identificaram quando viram matérias sobre isso no ar. O jornalismo de verdade nunca foi afetado por essas matérias.
UR: E quanto ao day-after da saída da Record e retomada de posse da própria agenda de trabalho, como foi?
APP: Fiquei um pouco perdida. No primeiro dia que não tive compromissos cronometrados, pensei “Como será a nova rotina?”. Cheguei em casa às 19h30, meu marido abriu uma garrafa de vinho, sentamos, bebemos e eu disse: “O que a gente faz agora?”. E ele: “A gente já está fazendo. Estamos sentados tomando vinho e conversando”. É assim que é a vida à noite em casa agora. É um maravilhoso mundo novo: estar em casa, ficar com o marido, mandar na agenda. Por mais que tenha compromissos, agora estabeleço os horários.
UR: Já recebeu algum “Não!”? Como foi?
APP: (risos) Muitos! Mas como sou insistente e não desisto.... inclusive, ouvi de uma entrevistadora lá em Brasília logo no início de carreira que eu jamais daria certo em TV – ela disse isso na minha cara, muito segura de si (risos).
UR: Várias vezes, você cita as mulheres dos anos 80. Por quê?
APP: Eu sou uma mulher dos anos 80, que cresceu ouvindo da mãe que “você tinha que se formar, ter o seu dinheiro e ser alguém na vida, não depender de marido”. No Brasil, as mulheres dos anos 1980 entraram maciçamente no mercado de trabalho e não tinham um modelo feminino para copiar. Então copiamos os homens. Muitas de nós abriram mão de maneira muito radical de outras coisas na vida para trabalhar, e apenas trabalhar. Hoje as clínicas de reprodução estão lotadas por que muita mulher adiou a maternidade por causa do trabalho. Essas são as mulheres da minha geração. Eu comecei a me questionar muito sobre isso e, ao mesmo tempo, passei a ser procurada por mulheres. No jornalismo, atuei em áreas tão duras como política, economia e coberturas em regiões de conflito, e de repente me procuram para falar para plateias femininas. Eu não entendia direito. Então fui estudar isso. O que me conforta é que não era só eu. Sou apenas uma representante da minha geração. Estou envolvida num contexto gigantesco, em que as mulheres precisavam provar muitas coisas por meio do trabalho.
UR: Como nasceu o Portal Tempo de Mulher?
APP: Acabei compreendendo que, o que essas mulheres – as dos anos 80 viam, era uma mulher respeitada na profissão pelos seus pares, inclusive os homens, que tinha credibilidade, mas que era obviamente uma mulher. Tinha gestos femininos, cara e jeito de mulher. Isso para elas era uma espécie de desafio. Como eu consigo ser mulher, preservar a minha identidade feminina, viver processos tipicamente femininos, como a maternidade e o casamento, e ao mesmo tempo ter uma profissão, ambições, carreira. Dessa curiosidade passei a fazer pesquisas. Até que essas pesquisas servissem de base para a abertura de um negócio. A Tempo de Mulher tem dois anos e eu fiz pelo menos cinco anos de pesquisas sólidas. Compreendi assim o que interessa à mulher. E lançamos o portal Tempo de Mulher com essa cara e esse conteúdo. Colocamos o portal no ar e, no primeiro mês, fevereiro de 2012, tivemos 20 milhões de acessos. O projeto Tempo de Mulher tem como principal produto um portal, hospedado no MSN, que dialoga com o público feminino, sobretudo o novo público ascendente da nova classe C. Além disso, a empresa faz parcerias de conteúdo com jornais e revistas em todo o País.
UR: - O que mais a Tempo de Mulher faz?
APP: Como a primeira fase foi muito bem-sucedida, resolvi antecipar outras. Começaram então os encontros presenciais, nos quais falo com a mulher executiva, que tem tripla jornada, funciona anytime-anywhere, sofre preconceito nas empresas e está desestimulada a continuar a carreira sabendo que abrirá mão de vários outros papéis importantes. Essa mulher quer discutir o empoderamento feminino. Ela está menos na internet e precisa mais de networking. Oferecemos nos encontros uma ampla rede de contatos e também a inspiração, os modelos que ela precisa para a vida e para a carreira.
UR: Como essa mulher é vista pelas empresas?
APP: Percebemos uma preocupação enorme das corporações em reter os talentos femininos. As empresas investem nas profissionais e, seis ou sete anos depois da contratação, começam a perder as mulheres. Quando chega no nível de gerência, em que poderia dar um salto na carreira, ela sai. As empresas não entendem por que, mas perdem as mulheres para qualquer coisa que não seja o ambiente corporativo. Pode ser para o empreendedorismo, para a família, para outras opções de vida. O claro é que, ou as empresas desenvolvem programas internos que facilitem o trabalho feminino ou elas vão perder a mulher. Não estamos mais dispostas a ser a mulher dos anos 1980, que trabalha 16 horas por dia, que não tem família, não tem filhos e para quem é muito importante mostrar que pode. A mulher é muito mais complexa do que isso e precisa extrair felicidade de todos os seus universos. Se ela não está feliz, vai embora.
UR: Você acha que hoje as mulheres que trabalham muito começam a se preocupar em ter uma vida pessoal completa? Há um novo feminismo?
APP: Existe um novo feminino. O feminismo foi muito importante. Toda mudança vem de uma radicalização. Você tem que enfiar o pé na porta para que as coisas aconteçam. Nesse sentido, o feminismo foi muito importante, mas acho que mulher é mulher, homem é homem. Somos gêneros diferentes e que bom que o mundo é assim! Muita coisa que a mulher deixou para trás nessa entrada de mercado de trabalho ela está conseguindo recuperar agora. Uma tentativa de equilíbrio maior entre carreira, respeito profissional e sentir-se bela, amada, amante, boa mãe. Mas a grande mudança para a mulher daqui para frente vai ser a do homem absorver determinadas coisas do universo feminino que ainda não absorveu.
UR: Não é segredo pra ninguém que durante algumas tentativas para ter filhos, você “desistiu”. O que a motivou?
APP: Fiz quatro inseminações. Depois das duas primeiras dei um tempo de seis meses, engravidei e perdi. Depois fiz mais duas. Aí cheguei no meu limite. Honestamente, não é um problema na minha vida. Para adotar não tem um tempo limite. Enquanto não sentirmos uma falta incrível, não vou procurar. Ter filho é muito sério. Toda mulher que não passa por todas as etapas do mundo feminino fica pensando que está faltando alguma coisa, “minha barriga não cresceu, não tive um bebê dentro de mim, não pari”. Isso é uma etapa da vida normal feminina. Então isso é uma dor? É uma dor. Mas minha vida é menos feliz porque não tenho filhos? Não, não é. Sou absolutamente feliz, bem-humorada, tenho um maridão, empresas, carreira, viajo. Não posso reclamar da vida; ao contrário. O Walter (meu marido) muitas vezes me disse: "Eu amo você. Se vai ter filhos ou não, não importa. Eu amo você. Mãe, não-mãe, não importa". Nunca foi uma imposição dele. Pelo que vivi, percebi que a fertilização artificial é um processo dolorido. Não quero desestimular mulheres que procuram clínicas de reprodução assistida, cada um faz a sua opção. Eu poderia ter continuado tentando. Provavelmente engravidaria, como vi várias amigas conseguirem na décima tentativa. Mas a questão é: você quer ter onze filhos, tenha. Não quer ter nenhum, não tenha. A felicidade é diferente para cada um de nós.
UR: Como é a sua nova rotina como empresária?
APP: Mudou tudo! Estou super-realizada. Acordei a tempo de tentar ser uma pessoa mais equilibrada, ter encontrado o amor. Sou feliz porque guiei minha carreira. Tenho orgulho disso. Mas tenho mais orgulho de ter buscado a tempo o equilíbrio. Sou uma mulher, não sou uma máquina de trabalhar. Tenho uma equipe maravilhosa. Agora sou dona de minha agenda e tenho tempo livre para ir ao cinema, jantar e viajar com o marido.
UR: Como concilia trabalho e vida pessoal. Dá pra separar?
APP: Comecei a empreender há sete anos, quando abri minha primeira empresa, a Touareg, que é muito ligada ao meu ramo de atividade. Era natural que acontecesse. É uma empresa, basicamente, de jornalistas que contam histórias. O DNA da Touareg é o jornalismo. Fomos para o mercado corporativo porque havia essa lacuna. Empreendi por oportunidade, sem ter me preparado tecnicamente para isso. Fui aprendendo na prática. Hoje tenho mais equilíbrio nessa balança. É perfeito? Não. Atendo às demandas mais imediatas. Se o trabalho é urgente, atendo o trabalho. Se a relação é urgente, atendo a relação. Se meu pai é uma urgência, vou atender meu pai. Sou como qualquer outra mulher, que fica tentando equilibrar os pratinhos o tempo inteiro (risos).
UR: Você voltaria para a TV, vai sentir falta dela?
APP: Sim, voltaria. Nunca descarto nada na minha vida. Eu não quero mais fazer dia a dia. Não me vejo mais na bancada. Posso até fazer TV desde que consiga tocar minhas empresas e ser feliz. Eu me sinto bem numa liderança feminina e gosto de trabalhar para elas. O Tempo de Mulher tem uma área de pesquisa que está sendo muito requisitada tanto por empresas que têm muita mão de obra feminina quanto por corporações que querem vender para esse público. Quero ajudar a criar fórmulas para estabelecer essas conversas. Fiquei 26 anos na TV. Vou sentir falta da pulsação da redação, mas agora preciso me dedicar aos meus projetos. Foi uma decisão muito pensada. Estou feliz e tranquila. É muito legal ver uma empresa dar certo. Vamos ver se serei tão boa executiva quanto dizem que fui jornalista (risos).
UR: Receitinha de felicidade x seu estilo de vida?
APP: Ter equilíbrio em minhas empresas, viajar a hora que eu ou meu marido desejar. Basta olhar para minha agenda e (e a dele) e programar. A gente vai para cada lugar esquisito (risos). Curtir a vida a dois é muuuuiiito bom!!!
UR: Quem é a Ana Paula Padrão?
APP: Huuumm, difícil essa pergunta (risos) – mas vamos lá... Sou uma pessoa imensamente mais feliz hoje. Toco a minha vida, tenho problemas. Mas me defino como uma pessoa feliz. Sou bem-sucedida na minha profissão, pude escolher sair dela e montar outros negócios, tenho um marido que me ama e que eu amo; nós nos respeitamos muito, sou reconhecida pelos meus pares pela minha competência, tenho uma família bacana, dois sobrinhos lindos, um monte de amigos, viajei boa parte do mundo e tenho condições de viajar mais ainda. Nossa, eu sou muito feliz! Sou mais feliz hoje do que jamais fui na vida. O equilíbrio é a palavra-chave para a nova Ana Paula Padrão (risos).
UR: Novos projetos?
Siiiim. Basicamente tocar os projetos que abri nos últimos anos. As duas empresas, a Tempo de Mulher, que possui o site hoje com 30 milhões de page views por mês, e a produtora Touareg. Preciso criar uma sinergia entre elas e concluir o meu livro...
UR: Dicas para as mulheres com carreira ou sem carreira, insatisfeitas?
APP: Segundo pesquisa,mais da metade das mulheres do Brasil, cerca de 54 milhões, trabalha, é independente, mas não vê o trabalho como um fim em si mesmo, o trabalho é um meio para trazer conforto para a família e atingir seus objetivos. Para se posicionar, ela precisa de informações que nem sempre tem. E é isso que estamos tentando fornecer a ela, informações que ela não tem; pois toda mulher, a da Classe C, por exemplo - que é nosso objetivo, pode muito bem conciliar carreira, maternidade, família e ser feliz.